terça-feira, 10 de janeiro de 2017

A decepção


Duas amigas minhas - eu era o amigo comum delas, uma só sabia da outra através de mim - resolveram se separar de seus maridos na mesma época, coincidentemente. Uma delas já havia tomado a decisão, todos sabíamos. A outra, a quem eu era mais chegado, resoluta, mas ainda mantinha o segredo. Num agradável final de tarde, me deparei com esta numa papelaria e de longe me fez um sinal que queria conversar comigo. Sentamos para tomar água e café com biscoito. Logo notei que em seu rosto havia marcas incomuns de preocupação, senti que queria me confidenciar alguma coisa especial. Primeiro, me sondou (isso, só conclui depois) e conversamos sobre a separação da outra, queria saber o que eu achava. Disse-lhe que poderia ser mais discreta e cuidadosa com o marido,  também meu amigo, que ainda nem era ex e já se exibia inconsequente pra cima e pra baixo com o novo namorado. Qual era a dela, queria ser locomotiva? E por aí foi a minha parcial, passional, conservadora, medíocre e inadvertida argumentação. As minhas expressões, com razão, soaram-lhe duras e foi então que me advertiu que eu estava tomando partido de gênero. Aquilo me pegou de surpresa, fiquei pensativo, embora ainda contestasse que não se tratava disso. Mentira! Mudamos de assunto, sentindo que ela tinha razão, afinal o marido da outra, embora meu amigo, não era lá um exemplo de fidelidade e companheirismo. Agora era tarde. Ela se despediu – senti claramente a sua decepção – desistindo de me confidenciar qualquer coisa. Fui pra casa remoendo a minha dor. Alguns dias depois, soube de sua separação. Triste, me coloquei em seu lugar naquele dia em que conversamos e, como se fosse ela, escrevi esse poema.

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